Dor Abdominal durante a corrida: O que é? O que causa? O que fazer?

Uma dor muito conhecida entre os corredores é aquela “pontada” na lateral da barriga. Essa dor é chamada de Dor Abdominal Transitória Relacionada ao Exercício (ETAP/ Exercise-Related Transient Abdominal Pain). Cerca de 70% dos corredores presenciaram essa dor no último ano (MORTON E CALLISTE, 2000) e 27% dos corredores sentem essa dor durante uma corrida (MORTON et al. 2005).

 Em aproximadamente 80% dos casos a dor é localizada (MORTON; CALLISTE, 2000; MORTON et al, 2005). Ela pode ocorrer em qualquer região do abdômen, especialmente ao longo das costelas.

  


 

EM QUEM ELAS SÃO MAIS COMUNS ?

  • Os mais jovens: Morton e Callister (2005) mostraram que 77% dos indivíduos ativos com menos de 20 anos sentem a dor, enquanto em indivíduos acima de 40 anos a prevalência é de 40%. Sendo incomum antes dos 10 anos.
  • Os autores não encontraram diferença na prevalência entre homens e mulheres.
  • Maior prevalência em indivíduos menos condicionados.
  • O IMC não foi relacionado a dor.

A ETAP é mais prevalente em atividades que envolvem movimentos repetitivos do tronco, como a rotação, especialmente quando o tronco está extendido (MORTON, 2003). Isso explica a alta prevalência da dor em corredores e nadadores.

  
A intensidade do exercício pode influenciar também, apesar da dor poder ocorrer em atividades de baixa intensidade. Morton et al (2005) mostraram que a prevalência da dor é 3.5 vezes maior em corredores do que nos praticantes de caminhada. Como o padrão de movimento da corrida e da caminhada é diferente, os autores compararam os corredores em diferentes intensidades. Eles concluíram que a severidade da dor não teve relação com a intensidade.

Sinclair (1971) reportarou que o estado pós prandial pode induzir a dor em 30 de 35 casos. Curiosamente, a dor não está relacionada ao conteúdo nutricional da refeição pré evento (Carboidratos, gordura, proteína ou água).

Plunkett e Jopkins (1999) compararam o consumo de grandes volumes de água, solução isotonica e solução hipertônica sobre a ocorrência da dor abdominal durante uma corrida em esteira. A bebida hipertônica foi a que mais gerou a dor.


 

MAS O QUE É ESSA DOR?

A etiologia da dor ainda é muito especulativa. Existem diversas teorias como: Isquemia do Diafragma, Estresse Mecânico dos Ligamentos Viscerais, Distúrbios Gastrointestinais, Câimbra Muscular, e Irritação do Peritônio Parietal.

  1. Isquemia do Diafragma

A proposta de que a dor abdominal é causada pela isquemia do diafragma surgiu em 1941 por Capps. O suporte a essa tória é de que a porção periférica do diafragma é abastecida pelo nervo intercostal, o que poderia explicar a “pontada” e a dor localizada na região subcostal (WILLIAMS et al, 1983; CAMPBELL, 1983).

  
Porém, essa teoria é controversa. A principal evidencia contra ela é que essa dor pode surgir em atividades com baixa demanda respiratória, onde a isquemia do diafragma é improvável (MORTON; CALLISTER, 2000). Além disso, essa teoria não considera dores abdominais além da borda subcostal.

Concluindo, é improvável que a isquemia do diafragma seja a etiologia da dor abdominal.

  1. Estresse Mecânico dos Ligamentos Viscerais

Essa teoria foi popularizada em 1951, por Sinclair. Segundo ela, a causa da dor abdominal é baseada em um estresse mecânico sobre os ligamentos viscerais que seguram as vísceras, principalmente o fígado e o estomago, através de ligações com o diafragma.

  
Isso explica a maior prevalência dessa dor em atividades que “sacudem” mais, apesar da baixa demanda respiratória. Além disso, consumir alimentos e fluidos antes do exercício poderia provocar a dor pelo aumento da massa gástrica que esses ligamentos teriam que aguentar (SINCLAIR, 1971).

Essa teoria explica algumas características da dor abdominal, porém também possui controversas. Por exemplo, a ocorrência dessa dor em atividades que não “sacudem” tanto, como a natação; (MORTON, CALLISTER, 2000); o fato da dor abdominal não estar relacionada com os estoques de gordura (WILLIANS et al, 1995) ou com um biótipo endomorfo (MORTON, CALLISTER, 2010); as dores vindas dos ligamentos serem tipicamente mediais e pouco localizadas (SILEN, 2010) ao contrario da ETAP.

  1. Disturbios Gastrointestinais

A dor abdominal tem sido comumente referida aos disturbios gastrointestinais (VIOLA, 2010) e é o sintoma mais comum e prevalente nos estudos de queixa gastrointestinal durante exercícios (REHRER et al, 1992).

Os estudos que usaram uma explicação gastrointestinal para a dor abdominal afirmam que a dor origina de uma isquemia do intestino ou distençao (STEEGE, KOLKMAN, 2012).

De fato, a isquemia do intestino tem sido observada em pessoas saudáveis, mas somente durante exercícios máximos (OTTE et al, 2001), ao contrario da dor abdominal que pode ocorrer durante atividades de baixa intensidade.

A principal razão de a dor ter sido associada a distúrbios gastrointestinais é pela associação dela com o estado pós prandial (MORTON; CALLISTER, 2000), porem a dor pode ocorrer quando nenhuma comida ou bebida é consumida por varias horas antes do exercício (MORTON et al. 2004).

Silen (2010) observou que pessoas com disconforto gastrointestinal tendem a torcer o tronco para aliviar a dor, que é diferente da dor abdominal que é aliviada pela redução do movimento (MORTON; CALLISTER, 2008).

Concluindo, enquanto a dor abdominal é comumente considerada uma dor gastrointestinal, características da dor abdominal não são consistentes com uma origem gastrointestinal.

  1. Caimbra muscular

Morton e Callister (2008) mediram a atividade eletromiografica localizada quando a dor abdominal estava presente, já que a câimbra muscular está associada a altos níveis de atividade eletromiografica (Schwellnus et al., 1997). Porém, a atividade eletromiografica não foi elevada durante a dor, o que discarta a teoria da câimbra muscular.

  1. Irritaçao do peritonio parietal

Depois de estudarem aproximadamente 600 pessoas que sofreram com a dor abdominal, Morton e Callister (2000) sugeriram que a dor pode ser causada pela irritação do peritônio parietal, que é a camada externa do peritônio que adere a parede abdominal e o inferior do diafragma.

  

Eles apresentaram evidencias de que a dor viria desse tecido:

  • Agravamento da porção do peritônio parietal que adere a parede abdominal causa uma dor “afiada” e bem localizada (FEURLE, 2007)
  • A porção do peritônio parietal que adere o inferior do diafragma é inervada pelo nervo frênico e gera uma dor no ombro quando agravada (JACKSON; LAURENCE, 1996)
  • A dor que surge do peritônio parietal é acentuada pelo movimento (SILEN, 2010)
  • O pertitonio parietal cruza toda a parede abdominal, o que poderia explicar a distribuição em diferentes partes do abdômen (WILLIAMS, 1995).
  • A tensão sobre o peritônio parietal é aumentada quando o tronco está extendido
  • A dor é aliviada rapidamente quando o estimulo para, assim como na dor abdominal quando a atividade para (MORTON; CALLISTER, 2006)
  • A fricção pode ser aumentada pela distensão do estomago, como ocorre no estado pós prandial, ou do fígado e intestino.

Recentemente, Mole et al. (2013) descobriram que indivíduos com sintomas de dor abdominal tem um transverso do abdômen mais atrofiado e uma estabilidade do core pior do que os indivíduos assintomáticos. Os autores sugerem que maior força e ativação da musculatura abdominal, principalmente o transverso do abdômen, pode reduzir a mobilidade dos conteúdos abdominais, levando a redução dos sintomas da dor abdominal.

 

Transverso do Abdome

 
 

Músculos do Core

 
Em resumo, apesar de especulativa, a irritação do peritônio parietal parece ser a teoria mais plausível para explicar a ocorrência da dor abdominal.


 

O QUE FAZER PARA PREVENIR A DOR?

  • Evitar grandes quantidades de comida e bebida 2 horas antes do exercício, alguns estudos sugerem de 3-4 horas para os mais vulneráveis
  • Durante o exercício, pouco volume de líquidos pode ser tolerado
  • Evitar bebidas hipertônicas antes e durante o exercício
  • Melhorar a estabilidade funcional do core
  • Melhora dos desvios posturais
  • A melhora do condicionamento é considerada uma forma de prevenir a dor

Exemplo de Exercício para fortalecer o Core


 

 O QUE FAZER QUANDO A DOR APARECER ?

Para aliviar a dor, as técnicas mais comuns reportadas por quase 600 pessoas questionadas por Morton e Callister (2000) eram: respirar fundo (40%); empurrar a área da dor (31%); alongar o local afetado (22%) e curvar-se para frente (18%).

Respirar fundo tem sido reportado como uma forma de aliviar a dor (SINCLAIR, 1951), apesar de Plunkett e Hopkins (1999) descobrirem que respirar superficialmente mas com mais ar nos pulmões durante o ciclo alivia a dor. Eles também afirmaram que empurrar a área da dor poderia segurar os órgãos abdominais e restringir seu movimento, o que aliviaria a dor.

A estratégia de alongar o local ou curvar-se para frente ainda é contraditório, o que questiona a eficácia dessas manobras (MORTON; CALLISTER, 2000).

Porém, a estratégia mais efetiva para aliviar a dor é parar o exercício (EICHNER, 2006; MOLE et al, 2013) o que nem sempre é praticado ou desejado.


 

REFERÊNCIAS:

Capps RB. Causes of the so-called side ache in normal persons. Arch Intern Med. 1941;68:94–101.

Eichner ER. Stitch in the side: causes, workup, and solutions. Curr Sport Med Rep. 2006;5(6):289–92.

Mole JL, Bird ML, Fell JW. The effect of transversus abdominis activation on exercise-related transient abdominal pain. J Sci Med Sport. 2013;17(3):261–5.

Morton DP, Callister R. Characteristics and etiology of exerciserelated transient abdominal pain. Med Sci Sports Exerc. 2000;32(2): 432–8.

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Morton DP, Callister R. Influence of posture and body type on the experience of exercise-related transient abdominal pain. J Sci Med Sport. 2010;13(5):485–8.

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Plunkett BT, Hopkins WG. Investigation of the side pain ‘‘stitch’’ induced by running after fluid ingestion. Med Sci Sports Exerc. 1999;31(8):1169–75.

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